sábado, abril 16, 2011

Para pensar

Por que os negros brasileiros preferem as loiras?



Não é um problema só nosso. Muito menos de falta de esclarecimento. Basta lembrar de algumas frases do líder negro norte-americano Eldridge Cleaver, em sua autobiografia Alma no Exílio. 

“…Não existe amor entre um homem negro e uma mulher negra. Eu, por exemplo, amo as mulheres brancas e odeio as negras. Está dentro de mim, tão profundo que já não tento mais arrancar.”

“Todas as vezes que eu abraço uma mulher negra, estou abraçando a escravidão, e quando envolvo em meus braços uma mulher branca, bem… estou apertando a liberdade.”

O livro foi escrito nos anos 70 e hoje, às portas do Terceiro Milênio, homens negros, no todo ou em parte, concordam com sua análise: “É, sem dúvida, uma comparação interessante, porque o branco representa realmente essa grandeza. Acho que sempre relacionei a mulher negra ao retrocesso”, confessa D.P., administrador de empresas negro, bem-sucedido, quarentão, que só aceitou falar sobre o assunto desde que fosse preservada sua identidade. Motivo? “Não consigo ter um papo-cabeça, inteligente, com a minha mulher. Nunca conversamos sobre isso, apesar de estarmos casados a 22 anos e termos dois filhos.”

D.P. até fez uma reflexão: “Se eu encontrasse uma negra na faculdade, será que eu me casaria com ela?” Ele mesmo responde: “Não. Minha esposa não tem curso superior, é baixa, gorda e tem barriga”. Mas é branca. 
“…Não serei livre enquanto não puder ter uma mulher branca em minha cama…”

Esta outra frase do texto de Cleaver bate fundo em D.P. Para ele, essa é a verdade crua, pelo menos no seu caso: “Eu não queria ser do samba, da zona leste, onde nasci. Eu queria um ambiente não negro, e vi na mulher branca a porta de saída par
a um mundo melhor. Além disso, tinha que mostrar que poderia ter quantas mulheres brancas quisesse. Na juventude, fui rejeitado pela família de muitas namoradas”.

Ana Lúcia Valente, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, pós-doutorada em Antropologia, faz esta avaliação do problema: “Quando o homem negro tem o domínio sobre uma mulher branca ele reafirma sua masculinidade. É a reatualização da prática racista -’eu domino essa branca’”.

O negro Joel Rufino dos Santos, historiador que esteve à frente da Fundação Palmares, do Ministério da Cultura, confessa: “Toda a ânsia de ascensão do negro talvez tenha por objetivo ser o branco, e ele só o alcança – ou julga alcançar – quando enfim possui sexualmente a branca”.

“Com uma loira dessas… ele deve ser muito bom de cama” – À pergunta, feita sem rodeios, por que os homens negros preferem as loiras?, Antônio Campos, diretor do Guia do Círculo Negro, reagiu com indignação: “Como preferem?! Não tem preferência. Não importa se é preta, branca, amarela, japonesa. Se o cara é da periferia e nunca teve acesso a uma mulher clara, existe a curiosidade, o oposto atrai. Mas isso não vale para a totalidade dos homens negros.

Namorar, casar, tem a ver com a química, a paquera, o jeito, o olhar. Eu acho que o emocional não tem cor”. Outro administrador de empresas, Cleto Peppe, dono do Dorment’s Bar, reforça a idéia: “Não é uma questão de preferência, é uma questão de coincidência”.

O psicólogo negro Sérgio Ferreira da Silva não concorda. Segundo ele, “os homens negros preferem as loiras por medo de perpetuar a raça. Quando você olha o negro, vê o sujo, o piche, o macaco. É o que ele vive quando criança na escola e traz para a vida adulta. Aí, quando ele pensa em casar, sai em busca da mulher branca como objeto de negação da própria cor”.

Cleto Peppe discorda. Para ele, negro que diz sofrer ou ter sofrido preconceito é porque se considera inferior, tem complexo. Um exemplo? Ele próprio. “Todo mundo encara normalmente o fato de eu andar com mulheres brancas”, diz com a maior naturalidade.

A antropóloga Ana Lúcia Valente, em seu livro Ser Negro no Brasil Hoje, da Editora Moderna, lembra uma vez em que, conversando com amigos num bar, viu entrar um casal, ele negro, ela loiríssima: “Imediatamente o bar foi tomado por um silêncio constrangedor. Todas as atenções voltaram-se para esse casal. Passado o primeiro momento, ouvi comentários de mesas próximas:

‘Ele deve ser rico! Senão, não conseguiria sair com uma loira dessas!’
‘Qual o interesse que uma loira pode ter por um negro? Ela deve estar numa pior…’
‘Esse cara deve ser muito bom de cama…’”.

Com 30 anos de praia, como diz, e 46 anos de idade, Antônio Campos também não tem dúvidas quanto à visibilidade negativa que a mulher branca dá ao homem negro: “Quando você está com uma branca do lado, todo mundo quer saber o que ela viu em você”.

“Ela pode ser pobre, feia e gorda. Mas é branca”

No geral, o homem negro não costuma ser seletivo na hora de escolher a mulher branca: pode ser pobre, feia, caindo aos pedaços. “Tenho um amigo que apanha da mulher. Ela faz dele gato-sapato e eu acho que ele aceita tudo só porque ela é branca. Isso é inadmissível. Tem cara que pega o kit completo – filho, dívidas, família… – só para ter uma branca do lado.
Muitos homens negros não vêem nenhuma necessidade de “dourar” a pílula para justificar sua preferência pelas mulheres loiras. O historiador Joel Rufino dos Santos, por exemplo, no livro Atrás do Muro da Noite – Dinâmica das Culturas Afro-brasileiras, da Fundação Palmares, em seu último capítulo, não teve o menor pudor de transformar todas as mulheres do mundo em coisas, em objetos de maior ou menor valor. E tudo isso para esclarecer o porquê de os negros bem-sucedidos arranjarem uma branca, e de preferência loira.

Ele escreveu: “A parte mais óbvia da explicação é que a branca é mais bonita que a negra, e quem prospera troca automaticamente de carro. Quem me conheceu dirigindo um Fusca e hoje me vê de Monza tem certeza de que já não sou um pé-rapado: o carro, como a mulher, é um signo”.

A comparação, embora machista, cruel e desumana, é um fato. “Na sociedade machista, a mulher é vista, sim, como um objeto de consumo. E objetos de consumo conferem status e poder a quem os adquire”, confirma a historiadora Maria Aparecida da Silva, do Geledés.

Na estrutura social e econômica brasileira, o homem negro está abaixo da mulher branca quando o assunto é trabalho assalariado. Então, para ele, o caminho possível de ascensão é a conquista de um “objeto” de valor do homem branco.

Menos razão, mais emoção, o instrutor esportivo Cristiano dos Santos, 26 anos, casado há cinco meses com uma loira, também faz parte dos que acreditam que essa escolha, segundo seus padrões, tem motivos óbvios: “Elas são mais bonitas, mais sedutoras, mais cultas”.

Cristiano é carioca, mora em Dourados (MS) e comenta que conversa muito sobre o assunto com seus amigos, a maioria casada com mulheres brancas: “Nós conversamos muito sobre isso porque sentimos na pele a discriminação. Já entrei em parafuso por causa disso. Mas, hoje, não ligo mais, apesar de todo mundo dizer que eu casei com a minha esposa porque ela é branca, formada em Psicologia, e porque a família dela tem grana. Não passa pela cabeça das pessoas que foi o amor que nos uniu”.

“Aliviando” a consciência do homem negro, existe um outro fator a ser considerado quando o assunto se refere a relações mistas. E é mais uma vez Antônio Campos quem diz: “A verdade é que são as mulheres brancas que preferem os homens negros. Desde – é claro – que eles tenham algo a oferecer”.

“Este é o ponto” – confirma a antropóloga Ana Lúcia. “Eles preferem as loiras, mas a recíproca é verdadeira. Elas também preferem os negros. E isso só vem reafirmar a ambigüidade das relações raciais no Brasil. Daí casais mistos incomodarem tanto as pessoas. A loira ao lado do negro, de alguma maneira, mostra que não é racista. Ela vai para a cama com ele, tem filhos com ele. Quer dizer, põe abaixo a bandeira do racismo. Agora, se o relacionamento entre os dois não der certo, se o negro deixar a loira por qualquer outra mulher, ela pode assumir o discurso de que ‘negro, quando não faz na entrada, faz na saída’ ou, ainda, ‘bem que me avisaram…’ etc., etc.”

Na análise de Sérgio Ferreira, psicólogo, o negro fecha a porta da afetividade para a mulher negra porque para ele aceitá-la vai ter de se identificar consigo mesmo.

No entender de Sueli Carneiro, do Geledés – Instituto da Mulher Negra -, “para homens e mulheres negros engajados e comprometidos com a mudança das relações raciais e sociais no Brasil e no mundo, seus parceiros, quando brancos, não são objetos de consumo, símbolo de status nem garantia de mobilidade social: são companheiros e companheiras, seres humanos, que não simbolizam êxito, mas a possibilidade do encontro, da solidariedade, do amor entre grupos étnicos e raciais diferentes”.

O ruim nas relações mistas é que, muitas vezes, os negros não conseguem mais manter sua identidade. Não é preciso puxar muito pela memória para buscar exemplos da já clássica fórmula: “negro bem- sucedido + mulher loira”.

É só correr os olhos pelos campos de futebol ou pelos palcos. O ex-ministro Pelé, para quem não se lembra, foi namorado da Xuxa.
A lista tem, entre outros, os corintianos Gilmar e Marcelinho Carioca e o mais emblemático de todos os casos: Ronaldinho, o noivo de Suzana Werner. Entre os grupos de pagode, quem não pensa em Alexandre Pires e Carla Perez?

Como lembra o psicólogo Sérgio Ferreira: “Os homens negros de sucesso não têm a questão econômica, mas têm a questão concreta da cor, ou seja, por mais que eles tenham dinheiro, não conseguem se livrar da cor negra. Ele busca na loira o seu lado branco”.

Para Sueli Carneiro, do Geledés, “qualquer homem negro no Brasil, por mais famoso que seja, ou por maior mobilidade social que tenha experimentado, não tem poder real, se “bem-sucedidos” individualmente servem apenas para legitimar o mito da democracia racial”. “O homem negro”, diz ela, “utiliza a mulher branca como emblema ou garantia de seu sucesso.”



Por :TANIA REGINA PINTO
Revista Raça

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